Por uma cultura da inovação

Olhar para a inovação sob a ótica da gestão para a criação de valor, e não sob a ótica de ‘geração de custos’, talvez ainda seja o principal desafio que os gestores brasileiros precisam vencer para a implementação de um ambiente realmente inovador em suas organizações.

Essa é a opinião de Ingrid Stoeckicht, cofundadora do Innovation to Health – I2H, instituto para inovação em saúde, presidente do Instituto Nacional de Empreendedorismo e Inovação – INEI e Coordenadora do programa de MBA de Gestão Estratégica da Inovação da FGV, curso que eu e a Mila Parente, executiva de atendimento da Nós da Comunicação, concluímos recentemente.

Na entrevista a seguir, Ingrid faz um balanço da situação do Brasil no fomento à inovação e aponta que nosso país ainda sofre de ‘forte desagregação’. “A jornada do empreendedor inovador é ainda extremamente árdua”, afirma ela.

 

Como você avalia a posição do Brasil, hoje, como um fomentador da inovação para a geração de resultados e o desenvolvimento de negócios?


Vivemos uma dicotomia, que vem se agravando muito nos últimos anos. Por um lado, o Brasil se configura entre os países com maior taxa de empreendedorismo no mundo, sendo, por exemplo, o país mais empreendedor do BRICS. Por outro, estamos perdendo rapidamente posições no ranking global de inovação.

De acordo com o relatório do GEM (Global Entrepreneurship Monitor) [1], em 2016 a taxa total de empreendedorismo para o Brasil foi de 36%, o que representa cerca de 48 milhões de brasileiros economicamente ativos. Em 2009, este percentual era de 27%, e a tendência é de manter-se em alta. No entanto, quando comparado com os países da América Latina, o GEM categoriza o Brasil como tendo o segundo pior potencial empreendedor da região, devido aos altos custos dos profissionais de TI e de serviços básicos como água, energia e internet.

Por outro lado, ainda ocupamos um lugar muito preocupante no ranking de inovação. Passamos da 47ª posição, em 2011, para a 69ª posição no Índice Global de Inovação atualmente, conforme relatório elaborado pela Universidade de Cornell, pela escola de negócios Insead e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Nesse estudo, em que foram analisadas 130 economias, o Brasil ficou estagnado em relação ao índice do ano passado, enquanto a Suíça lidera o ranking pelo sétimo ano consecutivo. O que explica essa queda?  As fontes de financiamento público à inovação secaram em decorrência da forte crise econômica, política e social na qual o país mergulhou.

“A crise na qual o país mergulhou abriu oportunidades para que grandes grupos nacionais e internacionais ocupassem um espaço proeminente no ecossistema empreendedor inovador.”

É fundamental que o Brasil se consolide no cenário nacional e internacional como um país com forte potencial empreendedor inovador. Neste sentido, temos testemunhado nos últimos anos um crescimento e fortalecimento significativo do nosso ecossistema empreendedor público e privado. Diversos programas públicos de fomento ao empreendedorismo e de desenvolvimento regional foram implementados, como StartUp Brasil e FINEP Startup, assim como centenas de programas de capacitação por organizações do sistema S, o Sebrae e o SENAI, entre outros.

A crise na qual o país mergulhou abriu oportunidades para que grandes grupos nacionais e internacionais ocupassem um espaço proeminente no ecossistema empreendedor inovador. Verificamos nos últimos anos um forte crescimento de incubadoras e aceleradoras, fontes de fomento financeiro e não financeiro, subsidiados pela iniciativa privada. Começamos a presenciar o fenômeno de ‘externalização’ das unidades de P&D, em muitos dos principais setores econômicos, como o setor financeiro, de saúde, seguros e alimentício, por exemplo.

A impressão que tenho é que estamos testemunhando o ‘empoderamento’ do setor privado no fomento ao ecossistema empreendedor inovador, na medida em que o governo perde espaço devido à crise. Verificamos que, em países como o Canadá, os diversos ecossistemas empreendedores são subsidiados pelo governo, que atua fortemente no fomento à integração do conhecimento científico e aquele produzido no âmbito das organizações públicas e privadas.

“Temos muita inteligência sendo produzida, mas nosso país ainda sofre de forte desagregação.”

Em 2000, tínhamos 10 parques tecnológicos em operação. Em 2013, já contávamos com 94. Esse crescimento é muito importante porque parques tecnológicos e incubadoras são organizações que estimulam o empreendedorismo inovador. Segundo  estudo realizado em 2016 pela Anprotec, em parceria com Sebrae, nosso pais conta com 369 incubadoras que abrigam 2.310 empresas incubadas e 2.815 empresas graduadas. Somente em 2015, o faturamento destas empresas incubadas e graduadas no Brasil ultrapassou os 15 bilhões de reais.

Esses números, sem dúvida, são muito expressivos, e demonstram um forte comprometimento do governo em incentivar o empreendedorismo inovador.  Falta, no entanto, criar inteligência coletiva. por meio da integração destas ‘ilhas de excelência’, para que o país possa desenvolver e exportar soluções de alto valor agregado.  Temos muita inteligência sendo produzida, mas nosso país ainda sofre de ‘forte desagregação’.  As organizações, instituições acadêmicas e empreendedores têm muita dificuldade de se inserir no ecossistema empreendedor inovador e levar sua solução ao mercado com sucesso. A jornada do empreendedor inovador é, portanto, ainda extremamente árdua, e muitas soluções de alto valor agregado não conseguem chegar ao mercado devido aos imensos desafios e barreiras que enfrenta.

Quais as principais barreiras que o Brasil tem pela frente para se tornar um expoente na área de inovação?


Acredito que, além dos problemas já ‘velhos conhecidos’ – como o alto custo de abrir e manter um negócio ativo, os impostos astronômicos, o baixo nível de qualificação profissional, problemas logísticos e excesso de exigências burocráticas -, enfrentamos uma drástica queda no nível de confiança em nosso país. Isto resulta em um aumento significativo do ‘custo Brasil’, o que afeta nossa capacidade de viabilizar plataformas de transferência de conhecimento tecnológico com outros países.

O processo de internacionalização e softlanding de startups brasileiras, infelizmente, é pouco incentivado pelo governo, que precisa dar foco de atenção imediata a esse gap para ‘estancar’ a evasão de talentos brasileiros inovadores para outros países que possuem ecossistemas mais acolhedores.  Também verificamos que nossa tolerância ao risco caiu dramaticamente, e nossos gestores mantêm uma posição conservadora com relação à integração de soluções inovadoras em seus sistemas de gestão. Na verdade, a percepção de que inovação significa ‘aumento de custo’ ainda prevalece na maioria das empresas brasileiras.

“Na verdade, a percepção de que inovação significa ‘aumento de custo’ ainda prevalece na maioria das empresas brasileiras.”

Quais os principais desafios e obstáculos que as empresas enfrentam na implementação de um ambiente realmente inovador?


Implementar um ambiente realmente inovador em uma empresa significa revisitar o papel que cada área dentro de uma organização pode desempenhar no sentido de alavancar sua capacidade de inovação. Todas as áreas precisam estar envolvidas na Gestão da inovação de uma organização. Como gestão da inovação trata de um modelo de gestão como tantos outros – como, por exemplo, gestão financeira, de pessoas, planejamento e jurídica -, deve ser incorporado na organização com seus processos, sistemas, subsistemas e modelos de gestão.

Os gestores brasileiros precisam olhar para a inovação sob a ótica da gestão para a criação de valor, e não sob a ótica de ‘geração de custos’. Vou exemplificar: na maioria das empresas, o ‘call center’ e a ‘área de atendimento ao cliente’ são terceirizadas por serem percebidas como centro de geração de custos. Se olharmos para estas áreas sob a ótica da inovação, entenderemos que jamais deveriam ser terceirizadas, pois são uma fonte riquíssima de inteligência, ou seja, de valor para apoiar processos decisórios estratégicos relacionados a como, porque, quando e com quem inovar.

Qual o papel da área de Comunicação na gestão estratégica de inovação?

A área de Comunicação desempenha um papel crítico: o de promover a disseminação de conhecimento tecnológico, das linhas de fomento público e privado à inovação, e da divulgação de eventos voltados ao empreendedorismo inovador no país. Estrategicamente, o papel da área de Comunicação é promover a cultura da inovação. Deve ser, portanto, um agente ativo na integração dos diversos atores desse ecossistema em nosso país.

 

[1]
O Relatório do GEM (Global Entrepreneurship Monitor) é realizado anualmente desde 1999 por meio de parceria entre Babson College e London Business School. No Brasil, é avaliada pelo Sebrae e pelo IBQP (Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade). Desde seu início, a pesquisa já abrangeu cerca de 100 países, e se constitui no maior estudo em andamento sobre o empreendedorismo no mundo. Em 2016, participaram 66 países, cobrindo 70% da população global e 83% do PIB mundial.

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