Por Mauricio Bacellar
Fui este ano pela primeira vez ao Web Summit, em Lisboa, e o evento é daqueles que todo mundo deveria ir pelo menos uma vez. Afinal, as novas tecnologias estão afetando a vida de todos, não importa a área, e vão afetar cada vez mais, cada vez mais rápido. Destaco abaixo 8 pontos do que presenciei em Lisboa este mês, durante o evento.
1. Gigantismo e importância estratégica
Logo de saída, é preciso colocar em perspectiva este evento. O Web Summit hoje é um dos mais importantes de Portugal, a ponto de o presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa, ter participado da cerimônia de encerramento. Participam dele cerca de 70 mil pessoas do mundo todo, 1.800 startups, mais de 1.000 palestrantes e muitos investidores.
É fácil entender a importância do evento para o país. Após a crise fiscal que atingiu Portugal em 2010, o governo desenhou um plano de recuperação da capacidade de crescimento do país, com três eixos: turismo, tecnologia e desenvolvimento regional. A aspiração do país é tornar especialmente Lisboa um vale do silício europeu. O Web Summit tem tudo a ver com isso, e renovou o contrato agora em novembro para sediar o evento em Lisboa nos próximos 10 anos.
2. Cluster
A melhor definição do Web Summit que me vem à cabeça é de cluster. Durante quatro dias se encontram no mesmo espaço startups, agências de fomento de diversos países, investidores, consultorias, escritórios de advocacia, desenvolvedores, pesquisadores, empresas de tecnologia já desenvolvidas compartilhando cases e oferecendo suporte às startups, como Google e Amazon. Enfim, o ambiente conspira para a troca de informação, de oportunidade, de conteúdo, de experiência, de realização de negócios, numa atmosfera realmente fascinante, que só estando no Web Summit para entender plenamente. Ano que vem irei de novo, claro!
3. Disrupção, inovação, mundo digital: aqui a 4ª Revolução Industrial se confirma plenamente.
Parecia que eu estava num parque temático de tecnologia: olhava para um lado, tinha uma apresentação do robô Sofia, quase um ser humano. Só falta chorar! (Não tenho certeza de que ele não chore na verdade…) Do outro lado, a lendária Aston Martin mostrava o que se pode esperar dos carros da marca em muito pouco tempo. Mais adiante, um grupo de startups fazendo apresentações das suas propostas absolutamente disruptivas e, ao mesmo tempo, bastante próximas de acontecer. Fica parecendo que inteligência artificial, realidade aumentada, internet das coisas, robótica etc. já são absolutamente corriqueiras nas empresas e na vida das pessoas. Ainda não são, se considerarmos as empresas de modo geral. Mas, é bom não se acomodar. A Amazon, por exemplo, utiliza Inteligência Artificial (AI) e algoritmos para identificar a preferência dos consumidores e decidir os produtos que serão ofertados. Seus centros de armazenamento são totalmente operados por robôs. A empresa já trabalha no desenvolvimento de drones Autônomos, com capacidade de se desviarem de obstáculos no caminho. Em breve, entregará compras em centros urbanos usando drones.
4. Humanização e o “digital human”
Uma das coisas mais discutidas atualmente é a humanização no mundo das tecnologias. Será que nos adaptaremos no nosso dia a dia para interagir com máquinas “humanizadas”, alimentadas pelo Machine Learning para identificar nossas preferências, hábitos, interesses? A tecnologia já avançou muito, e oferece muitas soluções como os chatbots, mas ainda falta um bom caminho a percorrer.
O CEO da Survey Monkey, Zander Lurie, apresentou no Web Summit uma pesquisa com consumidores dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, segundo a qual 56% deles consideram estranha a experiência de ser atendido por assistentes de voz turbinados por inteligência artificial. Os outros 44% consideraram a experiência legal, o que não é um percentual de todo mal.
5. As tecnologias seguem avançando
A Magic Leap, uma empresa de tecnologia que tem o Google entre seus investidores, parece empenhada em dar uma contribuição relevante neste sentido. A empresa apresentou no Web Summit o conceito de Mixed Reality: mais avançada do que, até outro dia, a brand new Realidade Virtual, a Mixed Reality é capaz de colocar na sua frente um “humano virtual”, com capacidade de dialogar com você olho no olho, graças a muita inteligência artificial. Essa tecnologia promete ter impacto em muitas indústrias, como a da moda e a de games. Imagina você jogando Fifa e fazendo uma falta dura no italiano Balotelli? Cuidado, ele pode vir pra cima de você! Avançamos rumo à hiper-realidade!
6. O consumidor continua humano
As novas tecnologias podem até estar evoluindo ao ponto de criar robôs que reproduzem reações humanas, mas elas nunca vão substituir as emoções do consumidor. A mesma pesquisa da Survey Monkey, que já mencionei, atesta que o que mais faz o consumidor abandonar uma marca é a decepção com o produto (75%), o mau atendimento (71%) e a violação da segurança (44%). Não por acaso, as empresas melhor ranqueadas pela Survey Monkey quanto ao atendimento são as que resolvem as queixas dos consumidores com rapidez.
7. Inteligência Artificial no marketing e comunicação
Se você é daqueles que acham que inteligência artificial e algoritmos são coisas para empresas high tech, sinto informar que você está enganado. As novas tecnologias oferecem oportunidades para todas as empresas, e serão uma “ameaça” para quem não incorporá-las em seus negócios. E a hora de começar a fazer isso é já!
Vejam o exemplo da Heineken, apresentado no Web Summit: usando inteligência artificial, a empresa processou informações de consumo para fazer uma super segmentação de perfis de consumidores e desenvolver um marketing personalizado. É o que a Heineken chama de Individualised-Data Driven Marketing.
Nesta identificação de perfis super segmentados, a empresa conseguiu, por exemplo, identificar os consumidores não bebedores de cerveja, e parou de gastar recursos em mídia dirigida para eles.
Como resultados gerais, a empresa aumentou sua eficiência no investimento em mídia, com um alcance 50% maior e um investimento em mídia 30% menor. Usando inteligência artificial no processo decisório de alocação de verbas de mídia, a Heineken está sendo mais eficiente e mais assertiva na comunicação com seus consumidores. Mas isso só foi possível porque a empresa se preparou bem para o passo anterior: fazer a análise dos megadados que capturou dos hábitos de consumidores.
8. Reflexões éticas também presentes
O mundo digital está revolucionando o Capitalismo: a forma como fazemos negócios, como encaramos o conceito de “propriedade”, como nos relacionamos. Mas não podemos deixar este processo de transformação de tanto impacto acontecer como um carro sem freio descendo a ladeira. E muita gente boa aproveitou o Web Summit para falar disso.
Sir Tim Berners-Lee, o inventor da internet, aproveitou a palestra principal na abertura do evento para lançar a campanha For the Web, que chama a atenção para a necessidade de garantir uma internet mais livre e universal, já que cerca de metade da população mundial ainda não tem acesso à internet.
Em paralelo, a comissária de Concorrência da Comissão Européia, Margarete Vestager, também centrou seu discurso no direito à liberdade dos usuários, mas com uma pegada diferente: anti-trust. Margarete Vestager é velha conhecida do Google, a quem brindou este ano com uma multa equivalente a 5 bilhões de dólares, depois de concluir que o gigante do Vale do Silício vem abusando da dominância do seu sistema operacional Android.
O presidente da Samsung Eletronics, Young Sohn, preferiu fazer uma reflexão sobre os impactos sociais imediatos que as novas tecnologias começarão a ter cada vez mais na vida das pessoas, com a substituição de mão de obra provocando desemprego em muitas áreas. E conclamou uma mobilização de governos, empresas e sociedade como um todo para este desafio.
* Mauricio Bacellar é formado em Comunicação Social com MBA em Marketing e Mestrado em Administração. Com mais de 20 anos de carreira, foi executivo na Coca-Cola e na TIM, e atua como consultor em gestão de reputação, crises e transição para o universo digital.